Porto Alegre está em constante mudança nos seus 247 anos

Geraldo Voltz Laps
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A transformação de Porto Alegre de um pequeno vilarejo a uma cidade com cerca de 1,5 milhão de habitantes demonstra um pouco do que ocorreu ao longo dos 247 anos, que serão completados na próxima terça-feira, dia 26 de março. Como um ser vivo, a cidade vive diariamente um processo de construção e desconstrução.

Mudanças que vão além das características arquitetônicas, de uma rua de chão e com poucas casas, para as vias asfaltadas e formada por grandes edificações, mas que também estão presentes nos rostos de seus moradores, uma mescla difícil de definir. Uma cidade que se autodenomina “demais”, mas que ainda enfrenta problemas que datam do século passado, principalmente quando se trata de obras de grande porte. 

As alterações são tantas que até aqueles que dedicaram boa parte da vida a estudar a história de Porto Alegre já não a reconhecem mais, como o caso do historiador Sérgio da Costa Franco. Aos 90 anos, morando em um apartamento no bairro Menino Deus, confessa que, para ele, Porto Alegre será sempre aquela de quanto tinha 18 anos, na década de 1940.

Uma cidade em que a atração era acompanhar, no final do dia, a movimentação do porto, à beira do Guaíba. A cidade em que pegava-se o bonde para sair do Menino Deus e ir ao Centro pela ausência de comércio no bairro para comprar itens básicos. 

Atualmente, o comércio está em todos os lados. O Sindilojas Porto Alegre estima ser mais de 14 mil estabelecimentos distribuídos pelas ruas, especialmente nos bairros. O presidente do Sindilojas, Paulo Kruse, revela que mesmo com o crescimento dos shoppings, há predominância dos negócios nas ruas e em alguns eixos, como o caso do centro, da avenida Assis Brasil, Azenha e Ipiranga, além dos pontos na região Sul, como Wenceslau Escobar e Otto Niemeyer.

Mesmo com o desenvolvimento do comércio em várias cidades, Porto Alegre ainda é referência e atrai consumidores de todas as regiões do Rio Grande do Sul. “Conseguimos reunir os maiores players estaduais e nacionais e apresentamos ao mesmo tempo uma diversidade que agrada”, avalia. Apesar dessa variedade, há um ponto forte relacionado ao vestuário feminino, conta Kruse, uma vez que as mulheres “se vestem muito bem”. 

A verdade é que a capital não é só referência no comércio, mas também quando se trata de serviços e empregos. Patrícia Palermo, economista da Fecomércio, explica que a maior parte dos serviços do Estado estão na cidade, assim como os empregos. Por exemplo, 64% dos empregos de empresas e de consultoria estão na Capital, assim como 93% das vagas do transporte aéreo, 73% dos trabalhadores ligados à produção cultural, apenas para citar alguns casos. 

Esse perfil não ocorre por acaso, ela recorda que a potência da cidade reflete seu processo de desenvolvimento, concentrando os poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). “No início da cidade, a consolidação do serviço público, com trabalhadores que recebiam mais, fez com que em torno desse local houvesse a aglomeração e desenvolvimento de serviços de apoio. Assim, a Capital é uma referência estadual significativa”, diz. 

Mas se o comércio e os serviços ganharam força, especialmente no decorrer do século passado, a indústria perdeu sua relevância a partir da migração das empresas para outras cidades da região metropolitana e ao Interior. Um exemplo é a localidade do Quarto Distrito, que compreende trecho entre os bairros Floresta até as proximidades do Aeroporto.

Apesar dos esforços, muitas áreas e prédios antigos são vagas lembranças de um período em que indústrias e os operários ocupavam a região. Uma demonstração recente da redução da força industrial está nos dados do Produto Interno Bruto (PIB), do IBGE, entre 2002 e 2016, em que a participação desse setor caiu de 9,17% para 8,28% no Estado. 

Existem ainda transformações consideráveis no modelo de ocupação na cidade. A Porto Alegre que começou no Centro, vivenciou com maior intensidade no início do século passado sua expansão, tanto para a zona norte, como para a sul. 

Os mapas que mostram os limites da cidade em 1920 apresentam uma Porto Alegre muito menor, que ia de um lado até a avenida Ceará, e de outro até a Cavalhada. Quase um século depois, as fronteiras já avançam até os municípios da Região Metropolitana. O arquiteto e urbanista da Secretaria Municipal de Cultura Luiz Merino Freitas Xavier recorda que o boom da expansão começou entre 1960 e 1970, tendo entre as características a saída de muitos moradores do Centro. 

Esse processo relaciona-se ainda com o surgimento dos bairros, que começou no final da década de 1950, com a delimitação do Centro e a criação de 57 localidades. Até o final do século, foram mais 20 bairros. Entre eles há diferenças e características específicas. Entre os mais populosos estão o Rubem Berta e o Sarandi, ambos na zona norte; a Restinga, no extremo da zona sul; e a Lomba do Pinheiro, na leste. As diferenças influenciam diretamente na maneira de morar, explica Xavier. Por exemplo, na zona sul há uma presença grande do Guaíba. 

Outra característica da movimentação, por exemplo, é o das famílias mais ricas, que seguiram um eixo bem específico na direção Leste, iniciado na avenida Independência e seguindo pelos bairros Moinhos de Vento, Mont’Serrat, Três Figueiras e seus entornos. O avanço imobiliário para a zona sul é mais recente, sendo impulsionado nas últimas décadas. Já a ocupação da zona norte se originou a partir da presença dos grupos de trabalhadores e operários.

Sobre o processo de ocupação, Xavier alerta para dois movimentos. Um se dá pelo retorno de moradores, com um perfil mais jovem, para a região central, o que traz com eles características específicas, como o seu estilo de vida. Do outro lado, no sentido inverso, com enclausuramento em condomínios fechados. “É um risco porque toda a cidade perde. As pessoas deixam de viver os espaços públicos para ficar apenas nos ambientes fechados e perdem o contato com a cidade”, recorda. A boemia também fez seu eixo, começando no Centro, expandindo para o bairro Bom Fim e, no período mais recente, consolidando-se com força na Cidade Baixa.

Fonte: CP
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