Inaugurado em 29 de junho de 1884, o Hospício São Pedro (homenagem ao santo do dia e padroeiro da Província) foi o primeiro hospital psiquiátrico de Porto Alegre e da Província de São Pedro. Sua construção, de expressão imperial, foi estimulada pela filantropia, constituindo-se, no final do século 19, no maior espaço de cunho social da Província.
Os alienados, um dos segmentos sociais excluídos dos padrões de comportamento elegidos pela sociedade, até a fundação do Hospício eram alojados em uma ala especial da Santa Casa. Como o número de insanos, provenientes das mais diversas regiões da Província, crescia consideravelmente, foi necessário que os recolhessem à Cadeia Civil. A conduta que apresentavam, tranqüilos ou agitados, era um dos critérios que definiam o local de internação.
Uma circular imperial, em meados do século 19, definindo os hospitais e as casas de caridade das províncias como as instituições responsáveis pela administração da loucura, acabou com a possibilidade de enviar os insanos para o Hospício D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Urgia um local ímpar para os alienados.
O projeto de construção do Hospício fez parte do processo de saneamento social da cidade, deslocando para o subúrbio todos os que tivessem desvio de conduta. O procedimento indolente era impróprio às exigências de produção da emergente sociedade capitalista. A urbe, normatizadora, vista como espaço de opulência, previsibilidade e disciplina, era destinada aos grupos sociais judiciosos, que definiam os padrões racionais de comportamento. É nesse meio de racionalidade que a loucura foi considerada uma ameaça, devendo ser silenciada e isolada através do encarceramento físico, longe do espaço público.
O local escolhido para a construção do prédio destinado à loucura, na “Estrada do Mato Grosso” (atual Av. Bento Gonçalves), no Arraial do Partenon, arrabalde da cidade, invocava explicitamente a necessidade de um ambiente próprio ao tratamento terapêutico e implicitamente a exclusão social. A chácara adquirida para a edificação do Hospício tinha 38,5 ha. A Fazenda Provincial, autorizada pela Lei Provincial 1.220, de 16 de maio de 1879, comprou o espaço da viúva Maria Clara Rabello por 25 contos de réis. A comissão responsável pela administração da obra, nomeada pelo Presidente da Província, Carlos Thompson Flores, em novembro de 1879, foi presidida pelo Provedor da Santa Casa, Antonio Coelho Junior. Os recursos para custear o empreendimento foram bancados, principalmente, por doações de filantropos e pelas rendas obtidas com as extrações de Loterias da Província, conforme a Lei Provincial 944, de 13 de maio de 1874.
Com somente um dos pavilhões prontos, o ato de fundação do Hospício foi comemorado com ostentação, na presença das autoridades e da imprensa de Porto Alegre. O incremento das internações e o abandono dos pacientes por seus responsáveis estimularam o término da construção do Hospício São Pedro, que só veio acontecer em 1903. Insólito por sua magnitude
à época, o prédio, idealizado em planta por Alvaro Nunes Pereira, foi menção de cartão postal de Porto Alegre na primeira década do século 20.
Conforme estipulou o Regulamento do Hospício São Pedro de 1884, estabelecido pelo Presidente da Província, José Júlio de Albuquerque Barros, a nova Instituição foi gerida pela Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia, que teve no seu Provedor, Joaquim José Salgado, a figura principal da estrutura organizacional do Hospício. Com a República, por decisão de governo, o Hospício São Pedro separou-se da Santa Casa e ficou subordinado à Secretaria do Interior e Exterior.
Com a intervenção estatal, os médicos, que tiveram no Dr. Carlos Lisboa seu único representante na primeira administração da Instituição, como Diretor do Serviço Sanitário do asilo de alienados, assumiram efetivamente a Direção-Geral do Hospício São Pedro. Um novo Regulamento do Hospício foi elaborado, desta vez sob a égide de um médico, o Dr. Francisco de Paula Dias de Castro, também nomeado Diretor do Hospício São Pedro pelo governo republicano do Estado do Rio Grande do Sul.
Cerca de uma década após a inauguração, por sugestão de Júlio de Castilhos e apoiado por uma campanha do jornal A Federação, a Companhia Carris Urbanus, com bondes de tração animal, fixou seu terminal em frente ao Hospício São Pedro. Esta circunstância, além de estreitar o elo do espaço urbano ao espaço elegido à loucura, facilitou a aproximação dos sociáveis cordatos aos confinados insanos.
Em janeiro de 1910, através de um convite formulado pelo Diretor do Hospício, Dr. Dioclécio Pereira, e do Bispo Dom Cláudio Ponce de Leão, as quatro primeiras Irmãs da Congregação São José, duas vindas da França, chegaram ao São Pedro. Em 1964, uma comunidade de 87 Irmãs se dedicava aos sofridos serviços exigidos em uma instituição psiquiátrica, humanizando e dignificando as relações.
Em 1926, o governo Borges de Medeiros destinou cinco milhões de cruzeiros para a remodelação do Hospital São Pedro (assim denominado a partir de 1925). As obras, iniciadas em janeiro de 1927, quando estava na direção da Instituição o médico psiquiatra Jacintho Godoy, foram canceladas em 1930 devido ao clima de instabilidade política do país.
É nesse período que o discurso psiquiátrico e os novos recursos terapêuticos, de avançada tecnologia à época, foram efetivamente instalados no âmbito do Hospital São Pedro. Incluso no conjunto do Hospital Psiquiátrico São Pedro, cuja área de 13,9 ha inclui 43.710 m2 de área edificada, o prédio histórico do São Pedro está tombado pelos poderes públicos estadual e municipal. Com 12.324 m2 de área construída, o conjunto arquitetônico é composto por seis pavilhões, com dois pavimentos, voltados para o sul. São ligados transversalmente por um pavilhão na direção leste-oeste. Com linhas ecléticas, predomina a arquitetura neoclássica.
Edson Medeiros Cheuiche, Historiador do Serviço de Memória Cultural do Hospital Psiquiátrico São Pedro
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