A epidemia do crack assola o Estado

Geraldo Voltz Laps
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O Rio Grande do Sul foi assolado por uma epidemia de crack, a droga que escraviza em segundos, zomba das esperanças de recuperação, corrói famílias, mata mais do que qualquer outra e afunda os dependentes na degradação moral e no crime.

Em uma série de reportagens publicada em julho de 2008, Zero Hora mostrou como a fúria com que a pedra atingiu o Estado espalha sinais devastadores por toda a parte, sem escolher idade, sexo ou condição social, e afeta a vida de todos os gaúchos. A reportagem revelou que a droga deixou a periferia das cidades gaúchas para fazer vítimas entre as famílias de classe mais elevada. O crack chegou à elite.
A explosão da droga no Estado se deu nos últimos dois anos, produzindo assombro entre autoridades policiais, profissionais de saúde e familiares de viciados. De 20 quilos de crack apreendidos pelas forças de segurança em 2005 saltou-se, em 2007, para uma quantidade seis vezes maior.

Em 2006, pela primeira vez na História, a quantidade de crack encontrada com traficantes superou a de cocaína. Agora, já é três vezes maior. Neste ano, se o ritmo do primeiro quadrimestre não se tornar ainda mais acelerado, serão 200 quilos da pedra apreendidos, 10 vezes mais do que três anos atrás.

O impacto sobre a violência é avassalador. Uma onda de homicídios está associada ao tráfico nas periferias, e não há dependente de crack sem relatos de brutalidade e morte de amigos a fazer.

A delinqüência juvenil tornou-se indissociável do vício. Um levantamento realizado para Zero Hora pelo Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) revelou que, neste ano, 55% dos garotos envolvidos em ocorrências relacionadas a drogas estavam sob o efeito de crack. Em 2005, o índice não chegava a 2%. A polícia não encontra forças para reagir.

A enxurrada de usuários em surto que tomou clínicas e hospitais de forma repentina é outra demonstração do que está ocorrendo nas ruas e nos lares do Estado. Raros no começo da década, os usuários de crack já são mais da metade dos internados no setor de Dependência Química do Hospital Psiquiátrico São Pedro, da Capital.

O índice atinge 90% na ala para adolescentes. No Centro Terapêutico São Francisco, mantido pela Igreja Católica em Lajeado, o percentual dos que chegam por causa do crack pulou, em apenas três anos, de 10% para 72% — e não pára de subir. Diante dessa realidade, a Secretaria Estadual da Saúde é taxativa: define a situação como epidêmica. A estimativa oficial é de 30 mil dependentes.

Tanto estrago se explica pela virulência ímpar da droga. Jacintho Saint Pastous Godoy, diretor da Clínica São José, da Capital, diz desconhecer caso de quem tenha experimentado sem tornar-se viciado.

Forma menos pura da cocaína, o crack tem um poder infinitamente maior de gerar dependência, pois a fumaça chega ao cérebro com velocidade e potência extremas. Ao prazer intenso e efêmero, segue-se a urgência da repetição.

O baixo custo da pedra — em torno de R$ 5 — revela-se ilusório em um átimo. Empurrado para o precipício da fissura, o dependente precisa fumar 20, 30 vezes por dia. Desfaz-se de todos os bens, furta de familiares e amigos e, por fim, começa a cometer crimes.

— Sinto que sou capaz de fazer qualquer coisa para conseguir R$ 10 e comprar crack, até matar uma pessoa. Quero parar e estou me esforçando, mas só de falar na pedra já fico com uma vontade louca de usar — admite uma adolescente de 17 anos, moradora de Charqueadas, que assaltava para bancar o vício e agora tenta a recuperação em uma clínica.

Apesar do desejo de vencer o crack, a experiência dos profissionais de saúde é de que as chances estão contra a garota. Clínicas, hospitais e centros terapêuticos gaúchos soterrados por uma avalanche de casos como o dela nos últimos dois anos testemunharam poucos exemplos de recuperação, conforme atesta Sergio de Paula Ramos, especialista no tratamento de dependentes químicos:

— Não gostam que eu diga isso, mas até agora meu índice de recuperação de pacientes de crack é zero. É preciso fazer algo para que não ocorra o uso da droga, porque, depois que acontece, conseguir algum resultado é muito, muito difícil.

Fonte: Itamar Melo e Patrícia Rocha  |  itamar.melo@zerohora.com.br patricia.rocha@zerohora.com.br

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